RECICLAGEM DE RESÍDUOS

Arquitetura Sustentável: Reciclagem de Resíduos da Construção Civil
Arq. Daniela Corcuera

Texto adaptado a partir da Dissertação de Mestrado: CORCUERA, Daniela. Edifícios de Escritórios:  o Conceito de Sustentabilidade nos Sistemas de Vedação Externa.  São Paulo, FAU-USP, 1999. 

Todos os anos, o Brasil joga no lixo o equivalente a US$ 55 bilhões.  Os índices do desperdício são alarmantes: 35% da produção de hortifrutigranjeiros, 33% da construção civil, 20% da produção de grãos, e de 20 a 50% da água não chega aos consumidores.

Os resíduos de construção civil são gerados quer por demolições, obras em processo de renovação, quer por edificações novas, em razão do desperdício de materiais resultante da característica artesanal da construção.  No Brasil, 98% das obras ainda utilizam métodos tradicionais.

No Brasil são gerados 0,55 ton/ano/habitante de entulho.  Estudos sobre os desperdícios na construção civil apontam índices de 20% considerando apenas o entulho – sem considerar a recuperação da geometria.  Os valores referem-se à porcentagem da massa de materiais colocada em canteiro.

Os fatores, plenamente superáveis, que determinam esse desperdício, podem ser descritos genericamente como:
1.    insuficiência de definição em projetos;
2.    ausência de qualidade nos materiais e componentes de construção ofertados ao mercado;
3.    ausência de procedimentos e mecanismos de controle na execução, que acabam provocando:  perda na estocagem e transporte em canteiro; carência de controle geométrico; ausência de prumo, nivelamento e planicidade na edificação; acréscimo no consumo de materiais para recuperação da geometria.

No atual contexto global, é fundamental melhorar e otimizar os processos de construção.  Entretanto, a reciclagem de entulho entra como solução para os materiais que são inevitavelmente perdidos.  A reciclagem permite a reutilização de matérias-primas, diminuindo a demanda por mais matéria, diminuindo o consumo energético e protegendo o meio-ambiente de mais e mais dejetos, que levariam até milhões de anos para serem decompostos pela natureza.  A reciclagem transforma as montanhas desordenadas de material de construção, em pilhas de matéria-prima, que serve tanto para obras prediais como para obras públicas.  Há dois caminhos para transformar as perdas em lucro: um para a iniciativa privada e outro para as prefeituras.

Embora ainda não existam estatísticas de todo o país, na média, o entulho que sai dos canteiros de obra brasileiros é composto (CAMARGO, 1995) basicamente por:
·                     64% de argamassa;
·                     30% de componentes de vedação (tijolos e blocos);
·                     6% de outros materiais (concreto, pedra, areia, metálicos e plásticos).

Disto conclui-se que é possível triturar mais de 90% do entulho (argamassas e componentes de vedação), para ser utilizado como agregado, na produção de componentes de construção e argamassas.

Os Prejuízos da Não Reciclagem

A deposição dos resíduos de construção na malha urbana, de forma descontrolada, acarreta uma série de custos ambientais, dos quais a URBAN (1996) destaca:
·            montes de entulho agregam lixo e se tornam abrigo de vetores transmissores de doenças (ratos, baratas, moscas, mosquitos) e de animais peçonhentos (cobras, escorpiões);
·            entulho nas vias públicas e córregos afeta a drenagem e a estabilidade das encostas;
·            ocorre degradação da paisagem urbana;
·            ocorre desperdício de recursos naturais não-renováveis;
·            ocorre redução da vida útil dos locais adequados para aterramento dos resíduos não-renováveis.
       Além dos custos ambientais, há os custos referentes ao gerenciamento da deposição clandestina, e ao não aproveitamento desses dejetos que poderiam ser reciclados e utilizados em obras públicas.  Dá-se início a um processo de transferência de custos:  a irracionalidade da construção se transforma em custo social.  A reciclagem de entulho tem, como principal objetivo, transformar esses custos sociais em custos públicos ou privados, onde todos os agentes que intervêm no processo de geração dos resíduos de construção deverão ser atingidos.  Assim, pode se começar a inverter o processo, extraindo do próprio problema, soluções para outras demandas, pela geração de materiais de baixo custo e boas características.


Objetivos da Reciclagem

Pinto (1994 b), então define os principais objetivos dos programas de reciclagem:
·            melhoria do meio-ambiente pela redução do número de áreas de deposição clandestina, conseqüentemente reduzindo os gastos da administração pública com gerenciamento de entulho;
·            aumento da vida útil de aterros pela disposição organizada dos resíduos, formando bancos para utilização futura;
·            aumento da vida útil das jazidas de matéria-prima, na medida em que são substituídos por materiais reciclados;
·            produção de materiais de construção reciclados com baixo custo e ótimo desempenho.

O Processo e o Maquinário da Reciclagem


Enquanto as usinas de reciclagem municipais utilizam máquinas de mineração, as obras prediais são atendidas por um equipamento móvel de pequeno porte.  O moinho tritura entulho à base de argila, concreto e restos de argamassa, formando um agregado fino para argamassa de assentamento ou revestimento.  Para o entulho “na rua”, 1,2 toneladas correspondem a 1 m3.  Já para o entulho britado, 1,6 toneladas correspondem a 1 m3

O processo de reciclagem de entulho municipal envolve todo um planejamento, uma infra-estrutura administrativa, pequenos locais de apoio para organização e triagem do entulho e a estação de reciclagem propriamente dita. 
Há dois métodos utilizados para a reciclagem do entulho: por moedores e por britadores. O processo de reciclagem por britadores passa basicamente pela seleção, limpeza, trituração e classificação granulométrica dos materiais, para posterior utilização específica.

Cuidados Ambientais

A estação de reciclagem é composta por vários equipamentos pequenos e modernos, projetados com segurança para operar em área urbana.  Não traz qualquer risco para a região, nem qualquer incômodo à população.
Como tratamento acústico, podem ser colocadas mantas de borracha e para evitar a formação de nuvens de pó, colocam-se nebulizadores na entrada do triturador e na correia, que faz a pilha do granulado.  O ruído causado pelo britador não chega a 50 dB.

É indicado, a criação de um cinturão verde no perímetro da usina para impedir a entrada de passantes e para criar uma barreira adicional ao pó e ao ruído remanescentes, criados pelo britador.  Sem dúvida, o verde dá um aspecto de consciência ecológica ao conjunto.


Qualidades Físico-Químicas dos Agregados Reciclados

Alguns levantamentos de desempenho das argamassas com agregados reciclados foram realizados por várias empresas, entre elas a Testin-Tecnologia de Materiais, Betontec-Tecnologia e Engenharia, e Teste-Engenharia do Concreto. (CAMARGO, 1995)  Esses trabalhos basearam-se em análises de comparação entre a argamassa tradicional e outra proveniente de entulho, além de vários ensaios de desempenho.

Os principais resultados demonstraram que o produto feito de entulho chega a apresentar resistência praticamente três vezes superior à argamassa tradicional.  O engenheiro civil André Natenzon (CAMARGO, 1995), diretor comercial da Anvi, explica que isso se deve à pozolana, em maiores concentrações, proveniente da moagem de blocos cerâmicos.  Natenzon, ainda comenta a excelente resistência desse material ao arrancamento e afirma que o seu módulo de elasticidade é maior do que o de argamassas tradicionais.

Os reciclados de entulho são agregados e componentes com características variáveis, que devem ser conhecidas, para poder se determinar a sua aplicação mais adequada. 



Algumas restrições (CORBIOLI, 1996) quanto ao uso de agregados reciclados:
·            argamassas à base de entulho são porosas, não devendo ser utilizadas como impermeabilizantes;
·            de modo geral, os produtos à base de entulho reciclado não devem ser utilizados onde haja exigências estruturais;
·            gesso e EPS - poliestireno expandido são os grandes inimigos da reciclagem:  a massa com gesso perde a liga, com EPS perde resistência.

Experiências Municipais

As experiências de reciclagem de entulho modernas tiveram início após a Segunda Grande Guerra, nos países da Europa.  Movidos pela escassez financeira e de matérias-primas, vários países lançaram mão de britadeiras utilizadas em pedreiras.  Assim, moiam o entulho para reutilizá-lo na reconstrução de suas cidades. 
Atualmente, uma consciência de respeito, com o nosso meio ambiente natural e construído, inspira-nos a valer-nos dessa tecnologia.  Experiências em maior escala vêm sendo realizadas por algumas prefeituras brasileiras e vêm apresentando dados favoráveis, são elas: São Paulo, Santo André, Londrina, Belo Horizonte, São José dos Campos, Ribeirão Preto e Ilha de Paquetá.  Não fossem a desinformação da população e a morosidade das administrações públicas, certamente seria maior o número de projetos implantados. 


São José dos Campos

O município de São José dos Campos possui desde 1995 um projeto para a coleta e tratamento de resíduos da construção, que ainda encontra-se em fase de implantação, sendo a primeira cidade do Vale do Paraíba e a 6ª do Estado, com o seu:  Plano Integrado de Gerenciamento e o Sistema de Gestão Sustentável de Resíduos da Construção Civil e Resíduos Volumosos,

Políticas, Parcerias e Conscientização

Segundo a Resolução Conama de no 307/2002, os geradores deverão ter como objetivo prioritário a não geração de resíduos e, secundariamente, a redução, a reutilização, a reciclagem e a destinação final.


São as seguintes, de acordo com Pinto (1994 b), as atividades necessárias para implementação do programa de reciclagem:
·         otimização das atividades dos pequenos coletores de resíduos;
·         mudança na ação dos agentes públicos no sentido de atuar como instrutores e não como agentes penalizantes;
·         melhoria na cadeia de informação sobre deposição de resíduos e reciclagem a fim de mudar os hábitos das pessoas envolvidas com a industria da construção;
·         implementação de serviços de recuperação ambiental em áreas previamente degradadas;
·         incentivo à reciclagem de resíduos e à utilização de resíduos reciclados;
·         definição de uma política de reciclagem e utilização de materiais reciclados em obras públicas.


Principais Referências Bibliográficas

CAMARGO, Antonio.  Minas de Entulho. Téchne, no 15,  Ed. Pini,  São Paulo, mar/abr 1995.

CORCUERA, Daniela.  Edifícios de Escritórios:  o Conceito de Sustentabilidade nos Sistemas de Vedação Externa.  Dissertação de Mestrado. São Paulo, FAU-USP, 1999.  www.casaconsciente.com.br

I&T - Informações e Técnicas em Construção Civil.  Entrevista do engenheiro José Antônio Ribeiro de Lima.  São Paulo, nov. 1996.

PINTO, Tarcísio de Paula.  Construction Wastes as Raw Materials for Low-Cost Construction Products.  In: First International Conference of CIB, TG 16, nov. 1994, Tampa.  AnaisMichigan, 1994 b.

PINTO, Tarcísio de Paula.  De Volta à Questão do Desperdício. Construção, São Paulo, Ed. Pini, no 2491, nov. 1995.

SSM.  Programa Bairro Limpo, (resumo).  São José dos Campos, 1995.

URBAN. Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos, [apostila de dados].  São José dos Campos, 1996.

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